O TRABALHO DO JORNALISTA E OS CRIMES CONTRA A HONRA
O Governo Getúlio Vargas (1930–1945) foi um período marcado por diversas transformações sociais, políticas e econômicas no Brasil. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) foi criada durante o Estado Novo (terceira fase do governo de Getúlio Vargas) por meio do Decreto-Lei n° 5.452, de 1° de maio de 1943.
Historicamente, dentre as várias ações tomadas por esse governo, a consolidação das leis trabalhistas no país naquela época foi responsável por unificar e inserir os direitos trabalhistas na legislação brasileira.
A CLT surgiu em um momento da história brasileira em que as relações produtivas de trabalho exigiam mudanças. O Jornalismo na condição de profissão e os dispositivos que tratam do jornalista como atividade de trabalho estão previstos na Seção XI, Capítulo: Dos Jornalistas Profissionais, nos artigos 302 ao 316 da CLT.
O artigo 302 prevê em seu caput que: “Os dispositivos da presente Seção se aplicam aos que nas empresas jornalísticas prestem serviços como jornalistas, revisores, fotógrafos, ou na ilustração, com as exceções nela previstas.” (BRASIL, 1943).
No parágrafo primeiro do artigo é explicitado sobre a função do jornalista enquanto profissional: “Entende-se como jornalista o trabalhador intelectual cuja função se estende desde a busca de informações até a redação de notícias e artigos e a organização, orientação e direção desse trabalho.” (BRASIL,1943).
O parágrafo segundo do artigo diz respeito aos critérios para considerar uma empresa como jornalística: “Consideram-se empresas jornalísticas, para os fins desta Seção, aquelas que têm a seu cargo a edição de jornais, revistas, boletins e periódicos, ou a distribuição de noticiário, e, ainda, a radiodifusão em suas seções destinadas à transmissão de notícias e comentários.” (BRASIL,1943).
Os artigos 303 a 309 se referem à duração normal do trabalho e à carga horária dos profissionais jornalistas, além de outros fatores como serviço extraordinário, remuneração mínima por horas extras, descanso obrigatório, repouso, entre outros.
Alguns artigos foram revogados por serem considerados ultrapassados ou impraticáveis como o 310 e o 314 (revogados pelo Decreto-Lei n° 972, de 17 de outubro de 1969) e o artigo 316 (revogado pelo Decreto-Lei n° 368, de 19 de dezembro de 1968).
Os artigos 311 e 312 são relativos aos registros profissionais. O artigo 313 discorre acerca do exercício sem cunho profissional do jornalismo: “Aqueles que, sem caráter profissional, exercerem atividades jornalísticas, visando fins culturais, científicos ou religiosos, poderão promover sua inscrição como jornalistas, na forma desta Seção.” (BRASIL, 1943).
O artigo 315 diz que: “O Governo Federal, de acordo com os governos estaduais, promoverá a criação de escolas de preparação ao jornalismo, destinadas à formação dos profissionais da imprensa.” (BRASIL,1943).
Assim, a Consolidação das Leis Trabalhistas é conhecida por assegurar muitos direitos trabalhistas aos profissionais. Por outro lado, os jornalistas também têm deveres a cumprir e podem cometer crimes ao desobedecer à legislação. O Código Penal (CP) é o meio no qual estão estabelecidas as punições inerentes ao desrespeito das leis.
O Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940) é um conjunto de leis com caráter punitivo. Essas normas jurídicas sistemáticas têm como objetivo definir e regulamentar as condutas consideradas pelo legislador como infrações penais com a finalidade de atribuir as determinadas punições.
Os crimes que a imprensa e os jornalistas podem cometer no exercício da profissão que estão contidos no Código Penal são três: Calúnia (artigo 138), Difamação (artigo 139) e Injúria (artigo 140). Eles constituem o Capítulo V — Dos Crimes contra a Honra.
O crime de calúnia é considerado o mais grave com pena de detenção, de seis meses a dois anos, e multa. Caluniar, em termos jurídicos, é imputar (acusar, culpabilizar, incriminar…) falsamente um fato definido como crime a alguém.
A difamação concerne à atribuição de um fato de caráter ofensivo a alguma pessoa com o intuito de prejudicar a reputação dela. A pena para esse crime é de detenção, de três meses a um ano, e multa.
O terceiro crime contra a honra, a injúria, tem pena de detenção, de um a seis meses, ou multa. Para a lei, injuriar alguém é a ação de ofender a honra e a dignidade da pessoa. Xingamentos são exemplos de injúria.
Há algumas exceções estabelecidas nos incisos I e II do parágrafo primeiro do artigo 140 em que o juiz pode deixar de aplicar a pena: “I — quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria; II — no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.” (BRASIL, 1940).
Além disso, de acordo com o parágrafo segundo, ocorre o aumento da pena nos casos em que: “Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes”. (BRASIL, 1940). Ou seja, uma injúria mediante violência. A pena nesse caso é de detenção, de três meses a um ano, e multa, mais a pena relativa à violência.
Por fim, existe, no parágrafo terceiro, a injúria preconceituosa (ou racial). Ela tem uma pena maior em comparação às outras: reclusão de um a três anos e multa. Isso ocorre quando a injúria corresponde ao uso de elementos ligados aos fatores de raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência.
Nesse sentido, salientam-se alguns casos concretos de profissionais do jornalismo que foram julgados e condenados judicialmente por praticar crimes contra a honra.
O primeiro exemplo é o do jornalista Miguel Baia Bargas. Em 2018, ele recebeu uma pena de 10 meses e 10 dias de detenção e 15 dias-multa por calúnia e difamação (artigos 138 e 139 do CP). A decisão, unânime, foi da 5ª Turma do TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região) devido ao comunicador ter publicado um texto que continha informações falsas sobre Sergio Moro.
No ano de 2015, o blog do Miguel Bargas, chamado Limpinho & Cheiroso, publicou um conteúdo que foi considerado inverídico e calunioso, pois ofendia a reputação de Moro e acusava o ex-juiz federal de estar ligado a um caso de desvio de recursos na Prefeitura de Maringá no estado do Paraná.
O título da matéria publicada pelo jornalista era “Paraná: Quando Moro trabalhou para o PSDB, ajudou a desviar R$ 500 milhões da Prefeitura de Maringá”. A notícia fazia ligação entre Alberto Youssef, um dos condenados pela Operação Lava Jato, e Sergio Moro.
“A notícia que atribui ao magistrado a vinculação a partido político e a réu de processo criminal relativo à operação ‘lava jato’, em que exerce a jurisdição, claramente ofende sua reputação e, ao imputar-lhe falsamente crimes, patenteia o propósito de ofender sua honra, a caracterizar as práticas de difamação e calúnia”, escreveu André Nekatschalow, relator do caso.
Outro episódio foi o do jornalista Aguirre Talento. Em uma reportagem do jornal baiano A Tarde, em 2010, Aguirre relatou a acusação e as denúncias do Ministério Público (MP) por supostos crimes ambientais na construção do Parque Tecnológico da Bahia. A complicação aconteceu porque o jornalista afirmou em seu texto que o MP tinha pedido a prisão dos suspeitos, mas esse fato não ocorreu.
Então, os empresários envolvidos na questão moveram queixas-crimes por difamação contra o jornalista. Condenado pelo crime de difamação (artigo 139 do CP), a pena foi de 6 meses e 6 dias de detenção, em regime aberto, e multa de R$ 293. A decisão foi da 15ª Vara Criminal de Salvador em 2016.
O terceiro caso é bastante conhecido. Em 2009, o blogueiro, apresentador e jornalista Paulo Henrique Amorim fez uma publicação em seu blog Conversa Afiada em que dizia que o também jornalista Heraldo Pereira, da TV Globo, era “negro de alma branca”.
Ele ainda escreveu que Heraldo “não conseguiu revelar nenhum atributo para fazer tanto sucesso, além de ser negro e de origem humilde”. Condenado por crime de injúria racial (previsto no parágrafo terceiro do artigo 140 do CP), a pena atribuída foi de 1 ano e 8 meses, em regime aberto, mais multa. Em 2018, a pena foi convertida em restrições a direitos devido aos trâmites do processo.
Em contraposição com os deveres sociais e os direitos do trabalho jornalístico assegurados aos profissionais perante a instituição da Consolidação das Leis do Trabalho, os casos concretos de crimes cometidos por cidadãos jornalistas explicitam o desempenho e a interferência da legislação brasileira através das punições estabelecidas no Código Penal.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto-Lei n° 368, de 19 de dezembro de 1968. Dispõe sobre Efeitos de Débitos Salariais e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0368.htm. Acesso em: 16 jan. 2022.
BRASIL. Decreto-Lei n° 972, de 17 de outubro de 1969. Dispõe sobre o exercício da profissão de jornalista. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del0972.htm. Acesso em: 16 jan. 2022.
BRASIL. Dos Crimes contra a Honra, ou Crimes de Imprensa: Calúnia (art. 138), Difamação (art. 139) e Injúria (art. 140). In: Código Penal. Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940. 3 ed. Brasília, DF: Senado Federal, p. 58–60. Coordenação de Edições Técnicas, 2020.
BRASIL. Dos Jornalistas Profissionais. In: Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. 3 ed. Brasília-DF: Senado Federal, p. 51–52. Coordenação de Edições Técnicas, 2020.
CEZAR, Frederico Gonçalves. O processo de elaboração da CLT: histórico da consolidação das leis trabalhistas em 1943. Revista Processus de Estudos de Gestão, Jurídicos e Financeiros. Brasília, v. 3, n. 7, p. 13–20, jul. 2012. Disponível em: http://institutoprocessus.com.br/2012/wp-content/uploads/2012/07/3%C2%BA-artigo-Frederico-Gon%C3%A7alves.pdf. Acesso em: 15 jan. 2022.
CONJUR. Paulo Henrique Amorim é condenado por injúria racial contra Heraldo Pereira. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-jun-09/paulo-henrique-amorim-condenado-injuria-racial. Acesso em: 19 jan. 2022.
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VEJA. Blogueiro é condenado por publicar notícia falsa sobre Moro. Disponível em: https://veja.abril.com.br/politica/blogueiro-e-condenado-por-publicar-noticia-falsa-sobre-moro/. Acesso em: 18 jan. 2022